Uma injustiça e tanto.

Hoje Dora Kramer, a melhor colunista de política do país, escreveu um artigo, intitulado "Notório cartório", onde critica a senadora Kátia Abreu pela dissidência no PSD, já que ela saberia, desde o início, para que serviria o novo partido: atender interesses pessoais de Gilberto Kassab. Leia aqui.

A colunista pode até possuir elementos para criticar Kassab pelos seus atos, mas está completamente equivocada em relação à senadora Kátia Abreu. Não pode afirmar que ela sabia  onde estava pisando. É óbvio que não sabia, basta voltar atrás e relembrar os fatos. É uma injustiça descomunal colocar Kátia Abreu e Kassab no mesmo saco.

O que ficou estabelecido na criação do partido é que os parlamentares que a ele estavam se filiando teriam total liberdade para cumprir os compromissos com os seus eleitores até 2014. Neste interim, o PSD discutiria e debateria a sua posição e o seu programa, colocando-se para o eleitorado com propostas e princípio claros.  Além disso, pela legislação eleitoral, apenas a filiação a um novo partido permitia a mudança de legenda, sem perda do mandato. Esta é a principal razão de tão maciça adesão.

A articulista afirma que Kassab nunca escondeu que criou uma legenda para si.  Isto é duvidar da inteligência dos seus leitores. Onde está escrito tal projeto? Onde existe manifestação tão pesada feita pelo prefeito paulistano? O que Dora Kramer praticamente comemora, descendo a lenha no lombo de quem não merece apanhar, é a consumação do que o meio político e a imprensa sempre plantaram contra Kassab. E que ele, com raro brilho, acabou confirmando. O seu personalismo e a sua falta de atributos para conduzir projeto tão grandioso.

Outra injustiça. Que aliança o PSD fez até agora que permita dizer que o partido como um todo atende interesses de ocasião, como afirma Dora? Por acaso algum dos seus membros ocupa o tão prometido ministério, que seria doado para que houvesse apoio ao governo federal? Em que momento o partido não votou com liberdade no Congresso, apoiando ou contrariando o governo? Onde está, depois de um ano e meio, o tal “partido da boquinha”?

Assim sendo, que adesão é esta citada pela colunista? O PSD somente surgiu por um racha dentro do DEM, então dominado por meia dúzia que rasgou atas e acordos. Os dissidentes que saíram do Democratas, salvo alguma rara exceção, permaneceram fiéis aos seus acordos regionais. O que houve, paralelamente, foi a filiação de membros de outros partidos, estes sim ligados a governadores de estado, que aproveitaram o momento para dominar, regionalmente, o novo partido. Nada que não seja uma prática usual da política nacional.

Sobre alianças, nada do que foi feito pelo PSD difere do estilo do PSDB, DEM e PT, no plano municipal. Este tipo de eleição não reflete ideologias, mas apenas conveniências locais. Em Porto Alegre, não é só o PSD que está com o PCdoB.  O PP também está. Em Belo Horizonte, o PSD está com o PT, substituindo o PSDB que rompeu uma aliança de mais de dez anos com os petistas. Em Palmas, Tocantins, estado da senadora, ela apóia um candidato do PV, logo ela, tão combatida pelos "verdes"!

É óbvio que Gilberto Kassab surpreendeu a todos os membros do PSD tomando para si o partido, desrespeitando o seu estatuto, transformando o mesmo em instrumento para seus interesses políticos pessoais. Decide tudo sozinho. Não realiza reunião de executiva. Rasga o estatuto. Foge do debate. Quem poderia prever tal comportamento, vendo Kassab ostentar uma fidelidade canina em relação à Serra, por exemplo? É isso que está sendo cobrado por Kátia Abreu e um número cada vez maior de filiados ao PSD.  Democracia partidária! E com total razão, pois o projeto não era esse que Kassab está conduzindo.

A colunista, a melhor do Brasil, aproveita o fato para castigar bons nomes da política nacional, como Kátia Abreu, pela escolha errada. Se à jornalista não surpreendeu o gesto ditatorial de Kassab, poderia ter escrito sobre isso quando, em março, a senadora fez a primeira crítica a este tipo de postura, casualmente no jornal em que ela trabalha. Depois do fato consumado, fica fácil dizer “eu já sabia”. Fácil e injusto. Até mesmo cruel.