A declaração de nascimento da futura Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que será assinada no final desta semana em Caracas, inclui um parágrafo que deveria deixar desconfortáveis alguns dos 33 membros do novo fórum: a defesa formal da democracia e da liberdade de expressão na região. Defendido pelo Brasil, o texto deixa claro que os dois temas são valores essenciais e devem ser respeitados. Apesar das visões no mínimo diversas sobre democracia, países como Cuba e Venezuela assinarão o texto, negociado entre todas as partes durante um ano.

A intenção dos defensores da declaração é afastar visões 'divergentes' sobre democracia e evitar casos como a tentativa de golpe em Honduras, em 2009, rejeitada por todos os países da região. No entanto, o texto também deveria servir como alerta a países que, nos últimos anos, têm adotado formas muito particulares de democracia. Em uma cúpula que reúne Cuba - onde opositores ainda são presos e a imprensa é controlada - e a Venezuela - onde coisas semelhantes acontecem, mesmo que disfarçadas em processos jurídicos -, o recado cai em ouvidos bastante seletivos.

Ainda assim, a declaração não encontrou resistência. A avaliação de diplomatas ouvidos pelo Estado é a de que cada país faz a interpretação que quiser do texto e, com isso, ninguém se sente atingido diretamente. Em toda a América Latina não faltam problemas, apesar de quase todos os países - a exceção é Cuba - terem eleições presidenciais abertas e regulares. Mesmo sendo considerado o país mais democrata e livre da região, nem o Brasil escapa. Partido da presidente Dilma Rousseff, o PT voltou a defender recentemente o projeto de regulação da mídia, mesmo sem o aval da presidente. Na Argentina, o Estado quer rever a história nacional. No Equador e na Bolívia, a relação da imprensa com os governos vive de processos e ameaças. Em Honduras, jornalistas e opositores do golpe de 2009 são ameaçados de morte.

A criação da Celac, no entanto, é apenas parte da agenda de Dilma na Venezuela. A presidente chega hoje a Caracas e irá imediatamente ao Palácio de Miraflores para um encontro com o presidente venezuelano, Hugo Chávez. Será a segunda reunião dos dois este ano - a primeira foi em junho, em Brasília. Devem entrar na pauta, mais uma vez, o projeto venezuelano de casas populares, tocado com assistência brasileira, e a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, ainda sem solução. Amanhã, antes da abertura da Celac, Dilma deverá ter uma reunião com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e outra com o presidente da Bolívia, Evo Morales.(Do Estadão)