Dedo na ferida.

Da Folha:

É ROTINEIRA a associação do regime militar brasileiro com as ditaduras do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai). Nada mais falso. O regime militar brasileiro teve características próprias, independentes até da Guerra Fria. Fez parte de uma tradição anti- democrática solidamente enraizada e que nasceu com o positivismo, no final do Império. O desprezo pela democracia foi um espectro que rondou o nosso país durante cem anos de república. Tanto os setores conservadores como os chamados progressistas transformaram a democracia em um obstáculo à solução dos grandes problemas nacionais, especialmente nos momentos de crise política. O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação político-cultural. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições para os governos estaduais em 1982. Mas as diferenças são maiores. Enquanto a ditadura argentina fechou cursos universitários, no Brasil ocorreu justamente o contrário. Houve uma expansão do ensino público de terceiro grau por meio das universidades federais, sem esquecer várias universidades públicas estaduais que foram criadas no período, como a Unicamp e a Unesp, em São Paulo. Ocorreu enorme expansão na pós-graduação por meio da ação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), especialmente, e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em São Paulo. Ou seja, os governos militares incentivaram a formação de quadros científicos em todas as áreas do conhecimento concedendo bolsas de estudos no Brasil e no exterior. As ditaduras do Cone Sul agiram dessa forma? A Embrafilme -que teve importante papel no desenvolvimento do cinema nacional- foi criada no auge do regime militar, em 1969. Financiou a fundo perdido centenas de filmes, inclusive de obras críticas ao governo (o ministro Celso Amorim presidiu a Embrafilme durante o regime militar). A Funarte foi criada em 1975 -quem pode negar sua importância no desenvolvimento da música, das artes plásticas e do teatro brasileiros? E seus projetos de grande êxito, como o Pixinguinha, criado em 1977, para difundir a música nacional? No Brasil, naquele período, circularam jornais independentes -da imprensa alternativa- com críticas ao regime (evidentemente, não deve ser esquecida a ação nefasta da censura contra esses periódicos). Isso ocorreu no Chile de Pinochet? E os festivais de música popular e as canções-protesto? Na Argentina de Videla esse fato se repetiu? E o teatro de protesto? A ditadura argentina privatizou e desindustrializou a economia. Quem não se recorda do ministro Martinez de Hoz? Já o regime militar brasileiro estatizou grande parte da economia. Somente o presidente Ernesto Geisel criou mais de uma centena de estatais. Os governos militares industrializaram o país, modernizaram a infraestrutura, romperam os pontos de estrangulamento e criaram as condições para o salto recente do Brasil, como por meio das descobertas da Petrobras nas bacias de Santos e de Campos nos anos 1970. É sabido que o crescimento econômico foi feito sem critérios, concentrou renda, criou privilégios nas empresas estatais (que foram denunciados, ainda em 1976, nas célebres reportagens de Ricardo Kotscho sobre as mordomias) e estabeleceu uma relação nociva com as empreiteiras de obras públicas. Porém, é inegável que se enfrentaram e se venceram vários desafios econômicos e sociais. É curioso o processo de alguns intelectuais de tentarem representar o papel de justiceiros do regime militar. Acaba sendo uma ópera-bufa. Estranhamente, omitiram-se quando colegas foram aposentados compulsoriamente pelo AI-5, como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Emilia Viotti da Costa, entre outros; ou quando colegas foram presos e condenados pela "Justiça Militar", como Caio Prado Júnior. Muitos fizeram carreira acadêmica aproveitando-se desse vazio e "resistiram" silenciosamente. A história do regime militar ainda está presa numa armadilha. De um lado, pelos seus adversários. Alguns auferem altos dividendos por meio de generosas aposentadorias e necessitam reforçar o caráter retrógrado e repressivo do regime, como meio de justificar as benesses. De outro, por civis (estes, esquecidos nas polêmicas e que alçaram altos voos com a redemocratização) e militares que participaram da repressão e que necessitam ampliar a ação opositora -especialmente dos grupos de luta armada- como justificativa às graves violações dos direitos humanos.

MARCO ANTONIO VILLA, 52, é professor de história do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".

11 comentários

Que coisa aboa Coronel.É preciso que esta realidade seja novamente posta as cclaras, principalmente porque os mais jovens Não SABEM nada sobre a História do Brasil,uma vez que os PROFESSORES fazem questão de mosttrarem o que lhes interessa,ou o que interessa ou desgoverno e ao movimento dos professores vermelhos.É PRECISO QUE O POVO SAIBA O QUE DE FATO, aconteceu no Brasil nestes anos e o que o País GANHOU com os Militares.Dora

Reply

Eu já havia esquecido boa parte do que este artigo contém, imagine quem nunca lê e os jovens.

Mago

Reply

Me parece que os discursos a respeito da ditadura estão ficando mais "brados" por parte de uma mídia tradicionalmente esquerdista. Pelo menos não estão usando mais os chavões "facistas", "extrema-direita", "anos de chumbo" e coisas do tipo...

Reply

Coronel

Os bolcheviques queiram ou não queiram, o regime militar foi uma democracia militar que tornou o Brazil desenvolvido.

E contra essa democracia militar, houve sim, luta armada por parte dos lacaios e terroristas da URSS e financiada por Cuba, paises que estão proibidos de falar em democracia, pois sujam essa palavra.

Reply

Grande Coronel

Quem fez o "nuncaantesneçepaiz" realmente foi o Regime Militar nos últimos 500 anos.

patriota

Reply

Coronel,
Esse Villa é genial, honesto e independente. É o que se espera de um professor universitário. Problema: ele é quase um ET na Federal de S.Carlos. Se os barbudinhos de lá pudessem, eles já o teriam demitido há anos.
Sds.,
de Marcelo.

Reply

Ola coronel

Villa sabe o que fala,estudou a historia.

Eu assim como muitos outros,que o digam,pois fomos figurantes desta historia.

O nome historia tem um sentido bem amplo.
Ela passa a ser historia algum tempo após a ocorrencia de determinado evento,caso contrário seria presente,pois historia de um futuro não existe,é profecia ou ficção.

Mas,é sempre bom lembrar que muitos fatos da história são cíclicos,quando não,repetitivos.


YUR

Reply

Simples assim, Professor Marco Antonio, a história verdadeira do Brasil lhe agradece!

Reply

A lista das benfeitorias realizadas pelos militares é infindável. Se o professor apresentasse todas resultaria em volumes.

Acrescento algumas, parte do "Integrar Para Não Entregar". A começar pelo título, já significativo e não foram apenas palavras. Algumas delas foram citadas por um leitos do blog. Cito outras:

- Projeto Rondon
- Desenvolvimento do cerrado (GO e antigo MT)
- Gigantescas hidrelétricas (CESP e ITAIPU)
- MOBRAL

De negativo, o excesso de estatismo (até hotel, como o Quatro Rodas) e o protecionismo e reserva de mercado (impediu o desenvolvimento tecnológico). Uma das grandes obras, talvez a única, de Collor foi a abertura do mercado.

É bom lembrar que o militar é nacionalista até por obrigação.

Em tempo: fui bolsista da FAPESP (Iniciação Científica e Pós-Graduação) exatamente na virada dos anos 60/70 (governo Médici)

Reply

Boa professor o Sr. sabe.Bravo ,bravísssimo!

Reply

Acho que foi a única "ditadura" que tomou um governo civil rumo ao comunismo sem derramar uma gota de sangue. E devolveu o poder aos civis sem derramar uma gota de sangue.

Reply