Referendo da loucura.

As autoridades eleitorais comunicaram ao manicômio que todos os internos deveriam cumprir uma lei aprovada pelo Congresso, participando de um referendo revogatório. Disseram eles: "vocês perderam a razão, porém uma lei é para todos e a lei é a lei". Sem demora, um louco inteligente perguntou se a perda da razão não eximiria os malucos do exercício de votar, ao que a autoridade eleitoral respondeu que não votaríamos para revogar o mandato do presidente e do vice-presidente da nação, nem aos prefeitos dos diferentes departamentos, mas sim para revogar ou não o diretor e vice-diretor do manicômio e aos malucos maiores de cada seção do hospício.Outro louco sensato argumentou que a maior parte da população enferma do manicômio Pacheco não estava registrada na Corte Nacional Eleitoral do centro de saúde mental. Um louco apelidado de “Exsano” manifestou aos loucos indecisos que o referendo era correto e que os resultados já estavam até escritos e apurados.Afastadas essas dificuldades eventuais, desde as primeiras horas de hoje, nós, os internos do local acudimos às urnas instaladas nas três enfermarias, antes do que nos injetaram uma dose extra de vallium, o que gerou muitos protestos dos internos, por terem que expor as suas nádegas estando enfermos da cabeça.Enquanto cada um dos loucos esperava sua vez de votar, cholas, pacenhas e cochabambinas nos ofereciam sanduíches, chicharrón, saltenhas, tamales e outras especialidades culinárias de grande aceitação junto à população, acompanhadas de refrigerantes e copos de mocochinchi, para aliviar a nossa espera. Ao mesmo tempo, um louco inteligente de Sucre me perguntou ao ouvido se eu votaria para revogar o diretor do manicômio e repondi confidencialmente que sim, o faria. Ele contestou: “puta que pariu, somos mesmo colhudos, queremos expulsar o diretor e não temos em mente quem colocaremos no seu lugar." Procurei tranqüilizá-lo, ainda que com poucas luzes: “não esqueça, irmão maluquinho, que este referendo no manicômio é só uma loucura, não servirá para nada”. Uma chola saltenha, seguramente uma seguidora do partido governante, me disse: “companheiro louquinho, não esqueça de votar por Evo!” Respondi, à humilde saltenha: “neste hospício, não estamos votando por Evo ou pelos prefeitos, mas sim para revogar o diretor e outras autoridades subalternas”. A cholita retrucou, resignada: “Isto é enlouquecedor e todos estamos mesmo loucos e o mais grave de nossa loucura é que as cometemos com toda a seriedade, gastando milhões de dólares, com delegados ajudantes da OEA e ante os olhos do mundo, que ri da nossa cara, por sermos, ao mesmo tempo, tão solenes e tão idiotas”. (Publicado por Paulovitch, no El Deber de Santa Cruz de La Sierra, Bolívia)