Dona Helena

E eles chegaram, barbudos, esbaforidos, com os olhos vermelhos e assustados.

Dona Helena fez entrar, botou a mesa naquela tarde de inverno, matou a fome dos visitantes com pão de milho, schmier de abóbora, nata, coalhada, linguiça aferventada e café com leite.

Naquela mesa, exceto o café, tudo era fruto e fartura de uma pequena área de terra e de uma ponta de gado de corte e leite, que se não dava todo o sustento à família de oito filhos, nunca deixou ninguém conhecer a fome.

Ao final da refeição, meu primo abraçou minha mãe e falou, emocionado:

"Tia, nós estamos fazendo uma revolução. Se algum dos nossos passar por aqui e quiser matar uma vaca para comer, não se assuste. Estamos lutando pela liberdade e contra a ditadura".

Minha mãe, carinhosamente, retrucou:

"Todos que baterem aqui em casa comerão o que houver na mesa. Mas se alguém botar a mão nas minhas vaquinhas, quem manda bala, sou eu!"

Esta pequena passagem da minha infância voltou à mente quando li que, em Cuba, estão voltando a comer carne, depois de muitos anos.

Até o governo liberar meia libra por pessoa, o quilo de carne saía por U$ 4,6 dólares, no mercado negro, chegando a U$ 12 nos supermercados, equivalente ao salário de um mês. Os cubanos de Cienfuegos ficaram emocionados com a volta do produto às tendas do governo.

"Há pessoas que dizem que não sabem como vão comer a carne, pois faz tanto tempo que não a vêem", afirma Zenaida Cosal, dona de casa.

Yairma Pérez, professora, mostrou a anotação do produto na sua caderneta de racionamento, forrada de plástico azul, com a palavra escrita Dream, dizendo: "temos recebido com muita alegria, porque mostra o avanço que vem tendo a revolução, vemos como o país vai se recuperando."

Não que Cuba não tenha gado, o rebanho é estimado em quatro milhões de cabeças, mas o governo abate apenas umas trezentas mil por ano. O rebanho é manejado por pequenos criadores que não podem sacrificar os animais para consumo.

Foi para fazer esta revolução que meu primo, naquela tarde, teve a péssima idéia de matar as vaquinhas da Dona Helena. Mal sabia ele que, para proteger a Mansinha e suas crias, minha mãe era muito mais rigorosa do que Fidel Castro. Em Cuba, o crime dá apenas de quatro a dez anos de cadeia. Lá em casa, o revolucionário teria que enfrentar uma espingarda mocha de cano duplo, calibre doze, relíquia da guerra civil espanhola.

4 comentários

Sensacional o post.

Vivas à Dona Helena e sua mocha.

Coronel, o início do blog está promissor. O volume e principalmente o nível dos posts ultrapassam qualquer expectativa.

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Respondendo a sua pergunta sobre liberar coments de PiTóquios, logico que não, eles ficam loucos, siga o exemplo do R.A., eles fazem de tudo para conseguir uma linha, e quando ele deixa passar nós denunciamos.

PARA ESTÁ CORJA, É FORA PITÓQUIOS!!

COLLOR 2010

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Coronel, tinha duas outras pessoas que gostava muito no noblat: Dr. Evil e Marcia, já divulguei no blog do Bob Jeff, se voce tiver contato com eles avisa, são do primeiro time.

Abraços - Collor 2010// Interno

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Sem comentários, Coronel! Me emocionei com teu relato, pois lembrei da minha infância, também em fazenda, no RGS. Era exatamente assim: mesa farta, tudo feito em casa, muita união e alegria. Ninguém pensava ser crime(exploração do trabalho infantil) um filho ajudar os pais na lavoura, no cuidado com o gado ou nas lides da casa. Os tempos mudaram e o resultado é o que se vê, cidades inchadas,crianças nas ruas, prostituição, drogas etc. Vivemos hoje uma ditadura comandada por uma "burgesia do capital alheio" que subjuga os famintos com a "bolsa esmola, subsidiada pela CPMF que será aprovada com os votos da "OPOSIÇÂO"! Fazer o quê? se não temos competência nem para eleger uma oposição de verdade. Abraços e parabéns pelo blog.

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