Recordando com brandura.

Em 5 de outubro de 2000, a Folha de São Paulo, com quem os petistas Comparato e Benevides trocam farpas por causa da "ditabranda", publicava dois comentários dos próprios no Painel do Leitor. Vejam quanta indignação!

Alianças

"O povo humilde e reto, que sempre esperou do PT a defesa intransigente dos direitos humanos e da ética na política, não merecia o insulto de ver o senador Suplicy pedindo o apoio eleitoral de Romeu Tuma para o segundo turno de São Paulo." Fábio Konder Comparato, professor titular da Universidade de São Paulo (São Paulo, SP)

"Petista de primeira hora, fiquei estarrecida com a foto do senador Suplicy pedindo apoio ao senador Tuma (Folha, 4/10), a quem a própria Marta chamou de "torturador". Essa atitude eleitoreira ofende profundamente a todos nós, militantes do PT e dos direitos humanos." Maria Victoria de Mesquita Benevides, chefe do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação da Faculdade de Educação da USP (São Paulo)

Naquela mesma edição, Otávio Frias Filho, que hoje os petistas tanto atacam, escrevia o seguinte artigo, analisando os resultados eleitorais do partido em 2008:

PT para somar
Demorou, mas as "elites" começam a perceber que o verdadeiro partido da social-democracia brasileira não é aquele que ostenta esse nome e está no poder há sete anos, mas sim o PT. Não basta que alguns iluminados influentes se reúnam um belo dia e passem a se denominar social-democratas para que representem de fato essa corrente.O PT vem repetindo, com regularidade impressionante, o percurso da verdadeira matriz, a social-democracia européia. Esta começou como movimento operário no fim do século passado, tornou-se radical e patrocinou confrontos até se integrar, desde a Primeira Guerra, ao sistema capitalista, criticando alguns de seus efeitos, não mais seus fundamentos.O recente deslocamento de votos, que beneficiou o PT, mostra o quanto havia de errado na estratégia do "golpe" eleitoral, que consistia em tomar o Palácio de Inverno num repente das urnas, como reflexo de algum momento desfavorável às forças da ordem. Os fracassos da candidatura Lula, agora fica mais claro, foram os dessa estratégia.Numa outra referência européia, Vinicius Torres Freire lembrou nesta página que o PT enfim se legitimou como reformador do nível menos "perigoso" do Estado, o municipal, que trata da administração comezinha onde as virtudes de dona de casa dessa agremiação até que vêm a calhar -exatamente como o Partido Comunista Italiano dos anos 60/70.Estamos assistindo, assim, à reprodução, com décadas de atraso, do cenário evolutivo da esquerda européia. Claro que a periferia apenas finge repetir o centro, pois a repetição, ocorrendo em condições diferentes, também se presta a outros usos, que nada têm a ver com o original. Em outras palavras, a social-democracia aqui não gorjeia como lá.Primeiro que a conversão ao espírito do capitalismo, diferente do que houve na Europa, não foi resultado da zeragem do déficit social, que persiste aqui como um pesado fardo que o passado cobra ao presente. Digamos que o PT se propõe a liquidar esse passivo quando chegar ao poder federal. Como teria dito Floriano, vamos confiar desconfiando.Mais significativo é que a evolução do PT, como é típico da forma pela qual a periferia busca se acomodar ao centro, captura trechos diferentes da história da matriz, amalgamados num mesmo samba. O novíssimo PT, que emerge das urnas, incorpora dois revisionismos, o da Segunda Revolução Industrial e o da Revolução Tecnológica.Herda do primeiro a noção de que o sistema não pode mais ser transformado, apenas melhorado. Herda do segundo, que está atualmente em curso, a noção de que os confrontos lineares, de classe, desapareceram com a chaminé, dando lugar a enfrentamentos tópicos e fragmentários, quando não regressivos como os de etnia e religião.É notável que a bandeira empunhada pelo PT nas últimas barricadas eleitorais nada tenha do vermelho flamejante das antigas gravuras, mas seja a anticorrupção -causa anódina, neutra e que serve para gerar consensos. O novíssimo PT não veio para dividir, mas para somar, e as "elites" já lhe dirigem lânguidos olhares de sereia.