Por uma política externa responsável.

Artigo de Fernando Henrique Cardoso, publicado nos grandes jornais brasileiros, neste domingo:

A despeito das bazófias presidenciais que vez por outra voltam ao bordão de que “hoje não nos agachamos mais” perante o mundo, se há setor no qual o Brasil ganhou credibilidade e, portanto, o respeito internacional, foi no das relações exteriores. Elas sempre foram orientadas por valores e estiveram intransigentemente fincadas no terreno do interesse nacional. A demagogia presidencial não passa de surto de ego deslumbrado, que desrespeita os fatos e mesmo a dignidade do país.

Com exceção dos flertes com o totalitarismo europeu durante o Estado Novo, sempre nos orientamos pela defesa dos valores democráticos, pela busca da paz entre as nações, por sua igualdade jurídica e pela defesa de nossos interesses econômicos. Com toda a dificuldade do período da Guerra Fria – quando os governos militares se opuseram ao mundo soviético e a seus aliados –, não nos distanciamos do que então se chamava de Terceiro Mundo. Se não nos juntamos propriamente ao grupo dos “não alinhados”, dele sempre estivemos próximos. Terminada a Guerra Fria, restabelecemos relações com os países do campo socialista, Cuba e China à frente, voltamos a estar mais ativamente presentes na África, apoiamos o Conselho de Segurança nos conflitos entre Israel e a Palestina, sustentamos a posição favorável à criação de “dois Estados” e o respeito às fronteiras de 1967 e nunca nos solidarizamos com o grito de “delenda Israel”, nem com as afrontas de negação do Holocausto.

Seguindo esta mesma linha, assinamos o Tratado de Não Proliferação de armas atômicas (TNP), com ressalvas quanto à manutenção dos arsenais pelos “grandes”, fomos críticos das invasões unilaterais no Iraque e só aceitamos a intervenção no Afeganistão graças à supervisão das ações bélicas pela ONU. A reação ao unilateralismo foi tanta, que em discurso na Assembleia Nacional da França cheguei a aludir à similitude entre o unilateralismo e o terrorismo, provocando certo mal-estar em Washington. Procedemos de igual modo na defesa de nossos interesses como país em desenvolvimento. No dia em que se publicarem as cartas que dirigi aos chefes de Estado do G-7, ver-se-á que predicávamos desde então maior regulação financeira no plano global e maior controle do FMI e do Banco Mundial pelos países emergentes. Reivindicamos nossos direitos comerciais na OMC, a começar pelo caso do algodão, e no caso das patentes farmacêuticas defendemos vitoriosamente em Doha o ponto de vista de que a vida conta mais que o lucro. Todas essas políticas tiveram desdobramentos positivos no atual governo.

Temos, portanto, credenciais de sobra para exercer uma ação mais efetiva na condução dos negócios do mundo. A hegemonia norte-americana vem diminuindo pelo fortalecimento econômico dos Brics (metáfora que abrange não só os quatro países, mas vários novos atores econômicos), especialmente da China, pela presença da União Europeia e também vem sendo minada pelas rebeliões do mundo árabe e muçulmano, como o próprio governo Obama reconhece. É natural, portanto, que o Brasil insista em sentar à mesa dos tomadores de decisões globais. Sendo assim, por que a celeuma causada pela tentativa de acordo entre Irã e a comunidade internacional empreendida pelo governo brasileiro? Há duas ordens distintas de questões para explicar o porquê de tanto barulho. A primeira é a falta de clareza entre a ação empreendida e os valores fundamentais que orientam nossa política externa. A segunda é a forma um tanto retórica e pretensiosa que ela vem assumindo.

Quanto ao primeiro ponto, como compatibilizar o repúdio às armas nucleares com a autonomia decisória dos povos? Esta abrange inclusive o direito ao conhecimento de novas tecnologias, mesmo as “duais”, que tanto podem ser usadas para a paz como para a guerra. Em nosso caso, conseguimos, por exemplo, dominar a técnica de foguetes propulsores de satélites (e quem lança satélite pode lançar mísseis). Ninguém desconfia, entretanto, de que a utilizaremos para a guerra, até porque obedecemos às regras do acordo internacional que regula a matéria. Do mesmo modo, dominamos o ciclo completo de enriquecimento do urânio. Mas não cabem dúvidas de que não estamos fazendo a bomba atômica, não só porque nossa Constituição proíbe, mas porque inexistem ameaças externas e porque submetemos o enriquecimento do urânio (guardado o sigilo da tecnologia usada) ao duplo controle de um tratado de fiscalização recíproca com a Argentina e da Agência Internacional de Energia Atômica.

É precisamente isso que falta no caso do Irã: a confiabilidade internacional nos propósitos pacíficos do domínio da tecnologia. E é isso que o governo americano alega para recusar a intermediação obtida, ao reafirmar que a quantidade de urânio já disponível, mesmo descontada a quantidade a ser remetida para enriquecimento no exterior, permitiria a fabricação da bomba. O xis da questão, portanto, seria a obtenção pelo Brasil e Turquia de garantias mais efetivas de que tal não acontecerá. Deixando de lado as alegações recíprocas sobre se houve o estímulo americano à ação intermediadora (que para quem quer ter uma posição independente na política externa é de somenos), uma ação eficaz para evitar o confronto e as sanções – posição coerente com nossa tradição negociadora – deveria buscar desfazer a sensação da maioria da comunidade internacional de que o governo iraniano está ganhando tempo para seguir em seus propósitos nucleares.

Neste ponto, a retórica dos atores brasileiros parece ter falhado. O levantar de mãos de Ahmadinejad e Lula, à moda futebolística, e as declarações presunçosas do presidente brasileiro passando a impressão de que havíamos dado um drible nas “grandes potências”, digno de Copa do Mundo, reforçaram a sensação de que estaríamos (no que não creio) nos bandeando para o “outro lado”. E em política internacional, mais do que em geral, cosi é (se vi pare).

20 comentários

Como é que é, FHC? O Sr. não crê que o atual governo brasileiro está se bandeando para o outro lado? Ainda acredita nas "boas" intenções do Lula e do MAG? É isto?

Ah, FHC. Assim não pode, assim não dá!!!

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O Lula vai ler e não vai entender "nadica de nada". Pirandello quem? Ah!Ah!Ah!

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Vamos ler melhor e compreender a ironia fina de FHC. Este artigo è uma alfinetada nas pretensões do grande molusco.

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...Este é o FHC.
Não foi atoa que os brasileiros o elegeu e reelegeu no primeiro turno.

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Além de ser individualista, falta ao Lula cultura e consequentemente visão estratégica. Não é um verdadeiro estadista que tenha um plano de nação. Não é à toa que a política externa do seu governo só tenha colecionado fracassos.

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Afinal, quem está possivelmente contrabandeando armas e munições para o Irã ?

Em novembro de 2009 foi feito uma bela de uma apreensão, veja foto e videos das mesmas :

AQUI : http://www.youtube.com/watch?v=Wh-pnuMJh3o

AQUI : http://www.youtube.com/watch?v=sXsmM1B28T0

E AQUI CAIXAS DE MUNIÇÃO BRASILEIRA APARECEM NO PORÃO DO NAVIO APREENDIDO :

http://montedo.blogspot.com/2009/11/navio-iraniano-levava-armamento.html

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Agora dá para entender o porque da inveja ?
Impressionante ...
Experimenta dialogar com um deles, o melhor deles, para ver como é que eles entendem o mundo .

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Pois é, esse artigo do FHC explica bem e detalhadamente a política externa no seu governo mas para quem tem capacidade de entender o que está escrito.
lamentavelmente muita gente não vai entender.

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Lula chegou aonde chegou gracas a FHC.
E nós aguentamos essa coisa....

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Nota 10 pela elegância, mas o sr Fernando Henrique Cardoso sabe muito bem quem é o Lula - é um homem da ralé e com o pouco conhecimento linguístico e "toda" aquela vontade de ler que o caracteriza mesmo se soubesse ler não iria entender nada do que foi escrito e curado no texto. O MAG e outros da corja que são alfabetizados irão distorcer tudo que o FHC escreveu.
Até Parece que não conhece este bando que tomou conta do país.
Esta mais que evidente que o governo petista alinha com os párias e não creio que seja necessário que os não petitas repitam este grande detalhe. O próximo pária a fazer parte das amizades do Itamaraty é o Mugabe o mandante dos assassinatos dos fazendeiros brancos no Zimbabue.
O governo petista esta tentanto alinhar todos os párias e quer converter-se no lider e assim afrontar o mundo ocidental.
Não é alinhando com os párias que o Brasil poderá mostrar que esta crescendo, não é alinhando-se com os medíocres que parecerá grande,infelizmente assim pensam os cerébros podres dos petistas - não conseguem fazer sombra aos grandes e tentam subir na cadeira para alcançar o intento.Quem é grande é grande desde a planta dos pés até os fios dos cabelos. Subir na cadeira, existe a possibilidade dela quebrar.
Não é possível rir com as borbulhas da champagne no nariz nos salões europeus e americano e depois tomar chazinho com um assassino iraniano, não se trata de um triangulo amoroso - hoje transo com você amanha com êle -mas não transo de graça.
É isso que o governo petista na figura tosca do Lula quer fazer. Não fica nada bem.

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Que nada FCH! Que nada.

Desgraça pior que esta política externa foi a instituição da reeleição.

Os prejuízos dos passeios deste que aí está nem de longe se comparam com os danos e prejuízos derivados da reeleição. Para refletir. Basta. Publicar/recusar.

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Olá, anônimo 23:04
Pelo que entendi FHC quiz dizer que a postura do PT e de Lulla não corresponde ao pensamento geral do Brasil. Como identidade nacional, somos voltados para a livre iniciativa e total liberdade política, coisa que o PT e apoiadores detestam. Somente esse governo pode se bandear pro "lado escuro da força" o Brasil nunca.

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Mais uma vez uma bofetada com luvas de pelica em Lula.
QUEM, PELO AMOR DE DEUS, vai traduzir isso para o povão?
Não há como FHC se expressar de outra forma, nem deve mas é preciso explicar para a massa o que ele pensa e escreve.
Sinto que ele está certo quando afirma que a intenção não é passar para a outra banda (no momento é impossível) mas o desejo sim é afrontar os EUA, um viés ideológico chinfrim que apenas ressalta como ser submisso ao outro lado.

Mago

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FHC O MELHOR PRESIDENTE QUE JA TIVEMOS, É UM HOMEM SÁBIO E LÚCIDO, QUE SABE VER A POLÍTICA INTERNACIONAL COMO ELA DEVE SER VISTA. JAMAIS ANDOU COM OS BANDIDOS INTERNACIONAIS, AS PÁRIAS DO MUNDO, QUE O VAGABUNDO LADRÃO DO MOLUSCO SE FARTA DE APARECER AO LADO.
COM SERRA, ESTES MARGINAIS: CHAVES,EVO,LOS CASTROS, ARMADINEJAD, SUDÃO, ETC NÃO TERÃO VEZ !!
ABAIXO A POLÍTICA INTERNACIONAL DE APROXIMAÇÃO COM BANDIDOS BOLIVARIANOS.
VIVA A LIBERDADE, VIVA SERRA !!!

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Bill Clinton
esteve aqui


O ex-presidente norte-americano Bill Clinton esteve hoje no Brasil, em palestra numa faculdade em Natal, de cuja mantenedora é chanceler honorário. Sua presença foi ignorada pelo governo petista, que não gosta dele e muito menos de sua Hillary, atual Secretária de Estado dos EUA, que chanou de ingênua a ação de Lula na questão nuclear com o Irã. Clinton elogiou os programas assistencialistas brasileiros, enfatizando o de saúde voltado para a Aids, mencionando que garante o benefício "até nas vilas mais distantes". Uma obra do Serra, ele não disse, mas todo mundo notou. Entretanto, ao abordar o tema Irã, mudou o tom falando em ameaça nuclear, uma coisa "horrenda". Um forte esquema de segurança, com 300 agentes americanos mais as polícias nacionais, mudou a rotina da capital potiguar. E só.
Copiado:HTTP://TREMAZUL.BLOG-SE.COM.BR

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Não foi o governo Lula que nas relações exteriores projetou e fez o Brasil ganhar respeito no plano internacional.
O que começou na política externa no governo Lula foi o Marketing barato e a demagogia.

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Mula da Silva e sua corja representa atraso e incompetencia em todas as areas, nao so a diplomatica. Alguem poderia apontar uma iniciativa de sucesso criada por esse desgoverno?
Os sucessos desses bolcheviques foram nao alterar o que ja tinha sido feito antes. As cagadas,como na area diplomatica, essas sim sao de iniciativa exclusiva da corja petista.

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FHC pode achar que o país não está se bandeando para o outro lado, mas todos os indícios e fatos recentes levam a crer nisso. FHC se esqueceu de Honduras, do caso dos boxeadores cubanos, do caso do terrorista italiano, do caso do padre colombiano, no não comparecimento à posse do novo presidente chileno, no desrespeito recente aos israelenses, dos mimos com Chávez e Castro, e a tolerância e até apoio a Morales, o PNDH3, etc, etc, etc, ....

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A diplomacia brasileira sempre foi respeitada pelos pares. Aspecto enfocado por FHC com maestria. Mesmo o Movimento dos Países Não-Alinhados (criado em 1955), onde pontificavam, por exemplo, Nasser (Egito), Jawaharlal Nehru (Índia) e Josip Broz Tito (Iugoslávia), a diplomacia brasileira conseguia diálogos com todos os lados, não alinhados e países ocidentais, sem alinhamentos automáticos. Mesmo durante o duro período da Guerra Fria, que durou do final da II Guerra até a queda o Muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS (União Soviética) em 1991, o Brasil atuava de forma independente. O Brasil foi um dos primeiros países, senão o primeiro, a reconhecer a independência de Angola e Moçambique em 1975. São exemplos de que nunca o Brasil foi subserviente em política externa. Infelizmente, diplomacia e politica externa não ganham muita ênfase como tema de interesse dos cidadãos. Incrível que nem mesmo no Congresso tem a dimensão que deveria. Sempre foi assunto quase que restrito ao Poder Executivo. A oposições deveriam pensar numa forma de furar tal bloqueio para mostrar q falácia da tese do governo nessa área.

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Sou do PSDB, Mário Covas assinou minha ficha de filiação, tenho orgulho disto.

Ilmo. Sr. Fernando Henrique Cardoso, com todo o respeito e adimiração que tinha pelo senhor, vá a m... se achar perto vá dois palmos para baixo!
O senhor é o principal responsável por este ser que está no cargo de presidente do Brasil estar lá fazendo esta trapalhada toda.
Não finja de bobo porque todos sabem disto. E o sr. acha engraçado fazer apologia de baseado? Fique quieto se não atrapalha o Serra.
Quem pariu Mateus que o embale... Pena que o outro "pai" não esteja vivo, aquele outro maldito "e Silva" para ver na tristeza que deu a cria.

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