O banco BTG Pactual orientou o deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) a alterar trechos de uma medida provisória de seu interesse, a
MP 627, que regulou a tributação de empresas no exterior. Relator do
texto, que se tornou lei em 2014, o parlamentar, antes de ser eleito
presidente da Câmara dos Deputados, usou o e-mail
cosentinocunha@uol.com.br para mostrar a minuta da medida prometida à
diretoria do banco e recebeu de volta orientações em tom taxativo sobre
mudanças que a instituição financeira gostaria que fossem feitas.
PUBLICIDADE
Parte desta troca de e-mails foi obtida pelo GLOBO. A documentação
revela que o banco tinha uma linha direta com Cunha para tentar
reescrever a medida provisória, mas não é possível afirmar que os
pedidos foram atendidos. Cunha confirmou os diálogos e disse que
conversou com outras empresas. O BTG Pactual não comentou as mensagens.
Uma das mensagem foi enviada por Cunha a um diretor do banco de
investimento no dia 17 de fevereiro, às 7h47 da manhã. A resposta foi
dada ao parlamentar no dia seguinte. As mensagens são parte de uma série
de e-mails trocados por ambos os lados para tratar de MPs, segundo
fontes do GLOBO.
Eduardo Cunha será alvo de inquérito para investigar o suposto
recebimento de propina em troca de emendas a outra MP, a 608. Segundo
anotação apreendida pela PF na casa de um assessor do senador Delcídio
Amaral (PT-MS), Cunha recebeu R$ 45 milhões para alterar a lei e
permitir que o BTG utilizasse créditos tributários da massa falida do
Bamerindus, comprado pelo banco de investimento. A redação final da MP,
porém, não beneficiou o BTG. Cunha negou “veementemente” atuação para
beneficiar o banco e disse acreditar em “armação” contra ele.
O
ex-presidente do banco André Esteves foi preso na semana passada pela
Operação Lava-Jato, junto com Delcídio, acusado de tentar obstruir as
investigações.
Tema da troca de e-mails entre Cunha e a direção do BTG Pactual, a MP
627 interessa a bancos que tenham negócios no exterior. Entre os
investimentos do BTG fora do país está a Petroáfrica, empresa de
petróleo e gás na qual é sócia da Petrobras desde junho de 2013, quando
comprou 50% das operações da Petrobras Oil & Gas no continente. O
negócio teve valor de R$ 1,5 bilhão.
A troca de mensagens sobre a MP 627 aconteceu nos meses de dezembro
de 2013 e janeiro e fevereiro de 2014. A medida provisória já é alvo da
Operação Zelotes, por suspeita de ter sido encomendada por um esquema de
lobby contratado por empresas do setor automotivo. Foi Cunha o
responsável por incluir na MP a regra que favoreceu montadoras de
veículos.
O projeto original, vindo do Palácio do Planalto, recebeu 513
emendas, das quais 76 foram aprovadas. Uma delas foi bem recebida no
setor bancário: a que resultou no artigo 109 da lei 12.973 (antiga MP
627). O artigo eliminou os limites para a utilização de créditos
tributários com o governo por bancos em liquidação. A assessoria do BTG
afirmou, por e-mail, que o banco não foi beneficiado pela inclusão do
artigo na medida provisória.
Os e-mails são detalhados. E as orientações, precisas. Um exemplo:
“Art. 24, I: substituir dependência por controle, para diminuir
amplitude”, diz a Cunha um diretor do BTG. Também pedem dedução de
créditos de imposto pagos no exterior.
O e-mail usado por Cunha na troca de mensagens é relacionado a
domínios de websites religiosos, todos de propriedade de Eduardo Cunha. O
endereço eletrônico também está vinculado a um escritório do deputado
no Centro do Rio. E aparece em inquérito da Lava-Jato, que o identifica
em conversas com o senador Edison Lobão (PMDB-MA), também investigado.
Por reduzir o pagamento de passivos ao governo e alterar a tributação
de empresas que atuam no exterior, a MP 627 atraiu o interesse de
variados escritórios de advocacia do país e grupos de interesse
econômico.
Nos e-mails obtidos pelo GLOBO, o banco manifestava interesse também
na edição de outras medidas provisórias, como a 668, que modificava a
tributação de PIS e Cofins sobre produtos importados, relatada pelo
deputado federal Manoel Junior (PMDB-PB).
DEPUTADO CONFIRMA TROCA DE E-MAILS
Em nota, o
deputado confirmou a troca de e-mails com a direção do BTG Pactual. Ele
afirmou que, na condição de relator de uma medida provisória complexa,
conversou amplamente com associações do setor e recebeu diversas
sugestões.
“Cumprindo sua missão de relator da MP 627/2013, que tratava da
legislação de lucros no exterior, o presidente Eduardo Cunha conversou
amplamente com várias associações e instituições do setor. Ele recebeu
centenas de sugestões de instituições bancárias e empresas que atuam no
exterior. Essas contribuições chegaram de diversas formas: por escrito,
por e-mail, na forma de emendas parlamentares, entre outras. Foram 516
emendas apresentadas na comissão especial. Algumas dessas propostas
foram acolhidas, outras não.”
O parlamentar afirma ainda que todas as propostas da medida provisória foram discutidas com o governo: “Todas as sugestões apresentadas sempre foram repassadas e discutidas
com o Ministério da Fazenda, inclusive, também, por meio da troca de
e-mails. O Ministério deu aval ao texto final que foi votado e
sancionado. O processo de relatoria foi complexo, exigiu um debate
profundo, e o presidente Eduardo Cunha possui vários registros dessa
correspondência”, diz a nota enviada pelo deputado.
Eduardo Cunha também é alvo de inquérito da Lava-Jato por
supostamente ter extorquido uma empreiteira com contratos com a
Petrobras e por manter recursos não declarados na Suíça. Em quatro
contas, ele movimentou cerca de R$ 10 milhões. O parlamentar atribuiu as
denúncias contra ele ao governo Dilma Rousseff, com quem rompeu. As
acusações azedaram o ambiente no Congresso e travaram a votação de
projetos de interesse do Palácio do Planalto, como os relacionados ao
ajuste fiscal. As novas acusações, relacionadas à MP 627, podem ter
influência na análise da abertura de seu processo de cassação, no
Conselho de Ética.