"Como fruto de meu último artigo (Regulamentação da mídia,
15/1), recebi uma torrente de insultos anônimos em meu endereço eletrônico. A
reação prova a tese: os autoritários ignoram a fronteira do coletivo e do
particular. Em vez de responder publicamente, eles ameaçam e insinuam
retaliações. Volto ao tema sob outro ângulo para melhor determinar o que dele
penso.
A imprensa surge com o Estado moderno. O mesmo ocorre com as
táticas do poder para impedir a sua livre expressão. A importância dos
panfletos políticos e religiosos é certa nos séculos 16 e 17. Basta recordar os
libelos puritanos e textos como Le Reveille-Matin des François, que ampliaram
rebeliões aristocráticas ou populares. No plano oposto surgem os jornais
controlados pelo governo, criados para popularizar o poder oficial.
Richelieu (cardeal, primeiro-ministro de Luís XIII de 1628 a
1642) já domina o maniqueísmo da propaganda. "Aos que qualificavam a razão
de Estado de 'razão do diabo' ou 'razão do Inferno' os panfletários de Richelieu
replicam acusando-os de adotar 'a mais negra Teologia do Diabo'" (Thuau,
Etienne: Raison d'État et Pensée Politique à l'Époque de Richelieu).
Thuau analisa estratégias cuja doutrina se resume em
"governar e fazer acreditar" pelo controle estatal da palavra
escrita. Diz ele: "É uma verdade reconhecida que a autoridade é
inseparável das ideologias, dos mitos e das representações que os homens formam
a seu respeito. O poder repousa na aliança do constrangimento e das
crenças". O autor recorda Gabriel Naudé nas Considerações Políticas sobre
os Golpes de Estado (1640): para manter a governabilidade o príncipe seria
obrigado a mentir ao povo, "manejá-lo e persuadi-lo com belas palavras,
seduzi-lo e enganar pelas aparências, ganhá-lo e colocá-lo a serviço de seus
alvos por pregadores e milagres sob pretexto de santidade, ou por intermédio de
bons escritores, silenciando os livrinhos clandestinos e manifestos, para
levá-lo pelo nariz e fazê-lo aprovar ou condenar, só com a etiqueta da sacola,
tudo o que ela contém".
O marketing político inicia ali a carreira cujo ápice ocorre
sob Joseph Goebbels (ministro da Propaganda de Adolf Hitler). Controlar a
imprensa é tarefa da grande ou mesquinha razão de Estado. Se o rótulo tem forma
adocicada ("regulamentação social") ou ácida (censura), não importa.
O alvo é calar a dissonância, silenciando críticas aos palácios e adjacências.
Richelieu reúne os auxiliares para examinar documentos
oficiais, definindo a forma pela qual eles deveriam surgir como
"notícias" no setor público, com o disfarce necessário. Ele já
conhece a arte de reescrever a História e seus próprios textos. Os
procedimentos usados no totalitarismo germinam no Estado absoluto. Ao reeditar
seu discurso aos Estados em 1614, o cardeal modifica-o porque não coincide mais
com sua nova política. Aqui não temos o único aspecto na genealogia que vai do
Estado absoluto ao totalitarismo. Os "processos políticos" de
Richelieu transformam os juízes em instrumento de terror contra os adversários.
Para aquilatar a extensão e a profundidade dessa herança temos o livro de
Hélène Fernandez-Lacôte Os Processos do Cardeal Richelieu, Direito, Graça e
Política sob Luís, o Justo.
A função política ou econômica da imprensa, revolucionária
ou governista, nem sempre suscita análises compreensivas. Basta recordar, no
século 20, o crítico Karl Kraus. Em artigo intitulado A imprensa como
alcoviteira, Kraus compara a jovem prostituta e o jornalismo oficialista, da
Bolsa ou dos Palácios. A rameira seria moralmente superior ao que vende sua
pena, pois ela "nunca sugeriu, como ele, assumir altos ideais". (Uso
a tradução italiana, Morale e Criminalità.) A imprensa, com suas virtudes e
seus defeitos, longe de ser odiada apenas pelos que agora se vendem ao
governismo brasileiro, tem uma história densa e contraditória.
Recordo o autoritarismo dos que visam a impor silêncio a
quem foge ao controle da norma formatada pelo marketing político e ideológico.
Carl Schmitt, na luta contra a livre imprensa, chama os democratas de
"classe discutidora", retirando o epíteto de Juan Donoso Cortés,
autor do Discurso sobre a Ditadura, que inspira o fascismo. E também alimenta
as ditaduras do século 20 na América do Sul e no Brasil. Com os tanques a
discussão termina, vem o golpe de Estado "redentor". Mas nem todo
golpe é cruento. A maioria é feita no silêncio dos gabinetes, nos acordos
espúrios, nas alianças nefastas cujo nome ainda é "governabilidade".
Quem aplica golpes eficazes conta com o sigilo cúmplice de todos, inclusive dos
governados. É aí que os periódicos incomodam. Num país movido pela propaganda,
desde a era Vargas com o DIP até hoje, a popularidade dos governantes é alvo
perene, obtida à custa de ouro.
A mídia passa hoje por graves modificações. Se na cultura
impressa existiu a figura do pedante, hoje na internet o pedantismo assume
amplitude inaudita, unido à repetição de slogans e aos ataques às
subjetividades que defendem posições adversas ao poder. Tudo indica que levará
tempo para que a humanidade alcance uma síntese nova na ordem teórica e prática.
Os jornais vivem uma situação inédita, com o aumento inusitado da comunicação
eletrônica. As teses sobre a regulamentação da mídia, no Brasil, seguem a via
coberta de ódio e dogmatismo.
Monopólios devem ser tratados com leis específicas, não
podem servir de pretexto para impor ao público a visão de partidos ou seitas.
Alguns veículos de comunicação, sobretudo na internet, se arrimam com ajuda
oficial, reduzem seu papel à propaganda do governo e ao afogamento da crítica.
Como se fosse destino, eles retornam ao tempo em que Richelieu pagava a jornais
e jornalistas para combater os adversários do Estado.
Sobram ilhas de crítica e rigor intelectual na imprensa, mas
é possível prever tempos escuros para as mentes lúcidas e honestas. Quem viver
verá."
* Roberto Romano é filósofo, professor de Ética e Filosofia
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor, entre outros livros, de
'O Caldeirão de Medeia' (Perspectiva).
(*) MAV Milítância em Ambientes Virtuais
5 comentários
Mudanças a longo, medio e curto prazo para a patria respirar e ser desinfectada dessas pragas comunistas:
Reply1) Longo prazo: contra-doutrina no nucleo familiar, escolas e universidades.
2)Medio prazo: derrubar nas urnas e contra-propaganda continua.
3) Curto prazo: guerra virtual no cyber espaço. A parte mais fácil de se fazer!
Ja começamos!! Somos muitos e vamos mudar essa porcaria PTista comunista!!!
Pros comunistas de plantao: a Era do atraso e do caos acabou!! O mundo é melhor e mais saudavel sem voces e sem suas ideologias que sempre causou corrupçao , violencia e desuniao!!!
Incrível, o filósofo pode dizer o que quiser mas proíbe os outros de criticá-lo. E depois o governo que é autoritário.
ReplyNo resumo da ópera ele disse que ninguém mais é dono de "formar opinião". A mídia tradicional vive os estertores da morte. Mais ainda quando assume o pepel político que deveria ser exclusivo dos partidos. Quando a imprensa assume um lado, perde totalmente a credibilidade, dando lugar às alternativas que surgem. E a internet veio para acabar com o 5° Poder de todas as repúblicas. Já não será tão fácil vender mentiras na mídia. Tanto da esquerda quanto da direita.
ReplyAnônimo 2, imbecil,petista infiltrado, o filósofo não proíbe ninguém de criticar o seu texto, mas A MAV não é um indivíduo criticando as idéias do outro, mas uma máquina suja, financiada com dinheiro público para atacar a honra, caluniar, xingar e ameaçar os que não concordam com o governo. Não vou perguntar se você entendeu ou quer que eu desenhe pois sei que sua capacidade de intelecção é inferior a de um primata, volta pra escolinha do Walter Pomar.
ReplyEsse Sr. escreve bem, hein! Lembra um pouco o odiado (pela esquerdalha) Olavo de Carvalho.
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